Levando gato por lebre
Do chocolate que não é mais chocolate ao queijo que não é mais queijo...
Todos temos sentido no bolso o aumento no preço dos alimentos nos últimos anos, consequência de fatores que incluem crise financeira, inflação, condições climáticas desfavoráveis e escassez de matérias-primas. Mas além de pagar mais caro para comprar o mesmo de antes, temos agora um ponto peculiar: muitas vezes, estamos pagando mais por produtos alimentícios “rebatizados”, que não são os mesmos de antes!
Pois é. Esta tem sido, infelizmente, uma tendência em alguns setores da indústria alimentícia: a dos alimentos reformulados que nada se esforçam para revelar sua real identidade aos consumidores (e agem, inclusive, ao contrário: fazem de tudo para se passar por suas versões originais). Mas o que isto quer dizer?
O chocolate que não é chocolate
Com o preço do cacau disparando devido à crise na produção mundial, muitos chocolates acabaram tendo o seu teor de cacau reduzido — o que, como você pode imaginar, é compensado com o aumento relativo da concentração de outros ingredientes mais baratos, como açúcar e gordura. Porém, no Brasil, um chocolate só pode assim ser chamado caso tenha em sua composição no mínimo 25% de sólidos totais de cacau, conforme estabelecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) (e vale dizer que até 2005 esse percentual era ainda maior, 32%).
Com as mudanças, passamos então a encontrar bombons e doces que agora sinalizam, em letras miúdas, alegações como “barra sabor chocolate ao leite” e “wafer com recheio cremoso e cobertura sabor chocolate” — que compramos e consumimos sem perceber que não são mais chocolate (bom, perceber até se percebe, pois muita gente vem notando a diferença no sabor). Enquanto isso, o chocolate “real” vai virando artigo de luxo, com barras cada vez mais leves e preços cada vez mais elevados.
O queijo ralado que é ralado, mas não é queijo (e a turma dos laticínios diluídos)
No grupo dos laticínios, a reformulação atinge (e descaracteriza) o mais diversos produtos. A lista é enorme: creme de leite, leite condensado, doce de leite, queijo ralado, muçarela, requeijão… e até o próprio leite! Você pode estar comprando (e consumindo) um impostor sem se dar conta disso!
Lado a lado com o “bom e velho” creme de leite na prateleira do supermercado, podemos encontrar (em embalagens praticamente idênticas) a “mistura de creme de leite”, uma versão adicionada de soro de leite e, dependendo da marca, até mesmo de gordura vegetal. Nos mesmos moldes, temos a “mistura láctea condensada” disputando a atenção (dos desatentos) com o leite condensado, a “mistura láctea sabor requeijão” usurpando as vestes do requeijão e o “doce de soro de leite” fazendo qualquer mineiro se lamentar profundamente.
Isso sem contar a “mistura alimentícia com queijo ralado”, o “queijo muçarela processado com amido”… e até mesmo a “bebida láctea UHT” (e aqui não estou falando das bebidas lácteas com whey e sabores diversos voltadas para o nicho high protein, mas de um leite fake mesmo).
E se você está achando que tudo isso é papo de marcas de “baixo escalão”, é nada! Basta jogar estes nomes no Google Imagens para ver que temos de empresas desconhecidas a gigantes da área agindo assim.
E ainda não acabou… tem o café que não é café!
Sim, o “pó para preparo de bebida sabor café” existe e — choque-se você também — pode conter grãos de café… ou não! Enquanto o café autêntico é composto exclusivamente por grãos de café torrados e moídos, os "pós para preparo de bebida sabor café" podem ser uma mistura de grãos de café com subprodutos do café (como a polpa e a casca), ou até mesmo excluir o ingrediente principal e ser repleto de corantes e aromatizantes para tentar mimetizar as caracterísitcas do original.
Complicado! E para não cair nessas armadilhas, não tem jeito: é preciso ficar de olho no rótulo, conferir as letrinhas pequeninas nos rodapés da embalagens e checar a lista de ingredientes. Tarefa desagradável para muita gente, eu sei, mas a melhor maneira para evitar ser vítima das “fake foods”.
PS: Você também acha estranho a grafia correta de muçarela ser com “ç”? Eu acho!